Nas linhas que seguem, abordar-se-á, de forma didática, o direito constitucional, quer em seu objeto de estudo, quer em suas peculiaridades, quer em sua interdisciplinaridade com outros ramos jurídicos.
O Direito Constitucional é uma ciência jurídica inserida na ciência geral do Direito. Muitos problemas apresentados em outras áreas do Direito dependem do Direito Constitucional, e só podem ser resolvidos pelo estudo e reflexão da Constituição.
Erroneamente, muitos pensam que o Direito Constitucional tem como objeto de estudo somente a Constituição, o que não é verdade, pois, em sua essência, a Constituição transmite ideias de filósofos e pensadores.
Estudar o Direito Constitucional é estudar de forma apaixonada a história das Constituições e a história da humanidade. A curiosidade e a vontade são características essenciais daqueles que se aventuram no estudo dessa área, que influencia no desenvolvimento da vida de todos nós, como indivíduos, como sociedade e como humanidade. Assim, não é possível compreender profundamente a Constituição sem conhecer a história, sem ter um enquadramento histórico de cenas políticas nacionais e estrangeiras.
Para compreender o Direito Constitucional, é necessário saber que sua origem está atrelada a uma ideologia denominada Constitucionalismo. Essa ideologia fixou o princípio de que o poder exercido pelo governo deve ser limitado para a indispensável garantia dos direitos de uma comunidade, legitimando, com isso, o aparecimento da Constituição, sendo um documento político, estruturado de forma sistemática e racional, no qual se declaram os direitos e se fixam os limites do poder.
No Brasil, pode-se entender o conceito de Constituição como um documento escrito, que declara os direitos humanos fundamentais e seus instrumentos de garantia, organiza o Estado e o Poder mediante estruturas que o conduzam à limitação de seu exercício.
Esse conceito é o ideal de uma Constituição, no entanto não corresponde aos modelos que se podem verificar na história. Isso ocorre porque a Constituição é um documento “vivo”, ou seja, sofre alterações e interpretações conforme o momento político vivido em determinado país.
Dessa forma, justifica-se um conceito voltado para o sentido realístico, o de que a Constituição é o conjunto de regras que inaugura uma ordem jurídica vinculada à realidade político-social da época de sua criação. E, como a Constituição é um documento “vivo”, se houver modificação da realidade político-social, a Constituição também sofrerá alterações, ou no seu texto, ou na interpretação de seu texto.
No entanto, se a modificação político-social for de grande dimensão, e a Constituição não mais atender aos anseios políticos e sociais, outra Constituição surgirá em sua substituição, inaugurando uma nova ordem jurídica vinculada à nova realidade político-social.
No Brasil, houve sete Constituições: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967/69 e 1988. Quando a realidade político-social é oriunda de um regime autoritário, impondo uma nova Constituição, diz-se que a Constituição é outorgada; quando a realidade político-social é oriunda de um regime democrático, apresentando uma nova Constituição, diz-se que a Constituição é promulgada.
As Constituições brasileiras outorgadas são as de 1824, 1937 e 1967/69; as que foram promulgadas são as de 1891, 1934, 1946 e 1988.
A Constituição brasileira vigente é a de 1988, promulgada no dia 5 de outubro. Isso significa que nessa época, sensível à modificação político-social pós-ditadura militar, foi exercido um Poder, denominado Poder Constituinte, que se revelou como uma força de autoridade política com condições de eliminar a Constituição anterior, de 1967/69, e criar uma nova Constituição, de 1988, inaugurando uma nova ordem jurídica, fixando-se como lei fundamental da nova estrutura jurídica.
O titular do Poder Constituinte é o povo, entendido como a reunião dos indivíduos, grupos, classes, categorias, comunidades, instituições, crenças, ideias e valores. Geralmente precedem ao Poder Constituinte momentos históricos extraordinários, como revoluções, surgimento de novos Estados, golpes de Estado, dentre outros. Esses complexos momentos históricos, geralmente de modo implícito, fixam ideias e orientações que conduzirão o procedimento para a criação da nova Constituição.
Não se deve confundir o titular do Poder Constituinte, que é o povo, com seu agente. O agente do Poder Constituinte é aquele que elaborará a nova Constituição. Quanto ao número de agentes, o Poder Constituinte pode ter um único, geralmente um ditador civil ou militar – Dom Pedro I em 1824 e Getúlio Vargas em 1937; alguns agentes, geralmente uma junta, comissão ou comitê – junta militar em 1969; ou muito agentes, geralmente uma assembléia, convenção ou congresso, ocorridos no Brasil em 1891, 1934, 1946, 1967 e 1988.
Se, no momento histórico, é o povo quem vai adotar uma nova Constituição, geralmente o primeiro ato é a criação de uma Assembléia Constituinte ou Convenção Constituinte, que fixará a forma e o procedimento de sua criação.
Apesar da evolução do Direito, no Brasil, o Poder Constituinte ainda é estudado dentro da teoria clássica, ou seja, o Poder Constituinte, em suas características, é considerado um poder:
- inicial, pois é dele que derivam os demais poderes;
- incondicionado, pois não está subordinado a nenhuma condição ou forma;
- ilimitado, pois não está subordinado a nenhum outro poder.
Assim, para a teoria clássica, o Poder Constituinte, na elaboração de uma nova Constituição, é completamente desvinculado, podendo fazer qualquer coisa, convergindo à onipotência do Poder Constituinte.
A doutrina da teoria clássica considera que o Poder Constituinte, além de inaugurar uma nova ordem jurídica com a criação da Constituição, também pode modificar seu texto, mediante procedimento especial, para atender a pequenas modificações da realidade político-social.
Pode-se concluir que a Constituição necessita, de tempos em tempos, ser atualizada. Caso contrário, seu texto ficaria “envelhecido” adiante da evolução histórica, deixando de atender aos anseios político-sociais da sociedade.
Dessa maneira, são considerados Poder Constituinte tanto o Poder de criação quanto o Poder de reforma e atualização de uma Constituição.
Existem dois tipos básicos de Poder Constituinte (tipologia):
- Poder Constituinte Originário, que elabora a Constituição, inaugurando uma nova ordem jurídica;
- Poder Constituinte Derivado, que essencialmente reforma o texto constitucional já existente, atualizando-o adiante da evolução histórica.
O Poder Constituinte Derivado também é conhecido como Poder Constituinte Derivado Reformador, ou Poder Constituinte de Revisão, ou Poder Constituinte Derivado de Reforma, ou, ainda, Poder Constituinte de Emenda.
Existe um outro tipo de Poder Constituinte Derivado, característico das Federações, denominado Poder Constituinte Derivado Decorrente. Esse tipo de Poder Constituinte, após a criação da Constituição Federal, com base em seus fundamentos e estruturas, criará a Constituição dos Estados-membros ou Estados Federados, chamada de Constituição Estadual.
Assim, como o Brasil é uma Federação, existem uma Constituição Federal e Constituições Estaduais, como a Constituição do Estado de São Paulo.
O Poder Constituinte Derivado, em suas características, é considerado um poder:
- derivado, pois é uma derivação do Poder Constituinte Originário;
- condicionado, pois está subordinado às condições e formas estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário na Constituição;
- limitado, pois não é soberano, sofrendo limitações no seu exercício.
Dessa forma, pode-se afirmar que existem quatro limitações específicas para o exercício do Poder Constituinte Derivado Reformador, quais são elas:
- Limitações Circunstanciais: durante a vigência de intervenção federal, estado de sítio ou estado de defesa, a Constituição não pode sofrer alterações (artigo 60, § 1o da CF).
- Limitações Temporais: durante certo período estabelecido pela própria Constituição, não haverá alteração de seu texto, independentemente de qualquer circunstância.
- Limitações Formais: para que haja alteração da Constituição mediante Emenda Constitucional é necessário o intermédio de procedimentos estabelecidos na própria Constituição. O processo tem início com a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que deverá ser discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em cada turno, três quintos dos votos dos membros da respectiva casa (artigo 60, § 2o da CF).
- Limitações Materiais: algumas matérias não admitem qual quer alteração, sendo por isso chamadas pela doutrina de cláusulas pétreas. São dispositivos constitucionais que exprimem e definem certas matérias que não podem ser objeto de emenda constitucional.
No Brasil são cláusulas pétreas:
- a forma federativa de Estado;
- o voto direto, secreto, universal e periódico;
- a separação dos Poderes;
- os direitos e garantias individuais (artigo 60, § 4o da CF).
A doutrina constitucionalista emprega diversas classificações quando estuda a tipologia das Constituições. Toda classificação obrigatoriamente deve trazer o seu critério, pois sem ele de nada adianta classificar. Dessa forma, apresentar-se-ão, dentre vários critérios doutrinários, 4 critérios de classificação.
Primeiro critério, quanto à forma de expressão, as Constituições podem ser escritas ou consuetudinárias. As Constituições escritas são aquelas positivadas em um determinado texto (por exemplo: Brasil, França, EUA, Argentina, Espanha, Portugal etc.), e as consuetudinárias são aquelas embasadas nos costumes (por exemplo: Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Israel, Arábia Saudita etc.). No entanto, atualmente não existe Constituição puramente costumeira, ou seja, além dos costumes, determinados países misturam textos escritos com seus costumes e jurisprudência. Melhor classificação é dividir as Constituições em codificadas e não codificadas. As Constituições codificadas são aquelas positivadas em um texto escrito e articulado em um único documento, e as não codificadas são aquelas que se encontram nos costumes, na jurisprudência e em textos esparsos.
Segundo critério, quanto ao procedimento de reforma, as Constituições podem ser rígidas, flexíveis ou semirrígidas. As Constituições rígidas são aquelas com procedimento de reforma mais rígido, solene e difícil em relação ao procedimento de elaboração de leis; as flexíveis são aquelas com o mesmo procedimento para a reforma e para a elaboração de leis; e as semirrígidas são aquelas em que parte da Constituição é rígida e parte é flexível.
Terceiro critério, quanto ao seu processo de surgimento, as Constituições podem ser históricas ou dogmáticas. As Constituições Históricas são aquelas que surgem e se constituem ao longo do processo histórico. Normalmente são costumeiras ou consuetudinárias. P.ex. Inglaterra. As Constituições Dogmáticas surgem em virtude de um momento histórico de ruptura, impondo novos dogmas políticos. Normalmente são as escritas. P.ex. Brasil
Quarto critério, quanto à sua missão histórica, as Constituições podem ser garantia, programática, dirigente e balanço. As Constituições Garantia são as constituições liberais clássicas, pois naquela época a sua missão histórica era garantir a liberdade do indivíduo diante do absolutismo do Estado. Eram puramente políticas com a separação de poderes e a declaração de direitos. As Constituições Programáticas são aquelas que contém normas programáticas, fixando diretrizes e programas para o Estado intervenha na ordem econômica, social e cultural, favorecendo o desenvolvimento e a busca da justiça social. Normalmente não são auto executáveis, precisam de leis ou atos normativos do Estado. A Constituição Dirigente é resultado de um teoria foi desenvolvida pelo Prof. José Joaquim Gomes Canotilho, catedrático da Universidade de Coimbra. Reagindo à ditadura de Oliveira Salazar, Canotilho e outros formularam a doutrina de que naquele momento histórico a missão da constituição seria dirigir o Estado para construir uma nova ordem econômica, o socialismo, pela via democrática, pela via jurídica. Porém essa teoria não se cristalizou, em vez de construir o socialismo foi para o mercado comum europeu. O Brasil também tentou em 1987, mas o “centrão” reagiu. Algumas coisas ficaram. P.ex. IPTU progressivo, inconstitucionalidade por omissão. Por fim, a Constituição Balanço é uma construção da doutrina soviética, na época de Stalin. Diziam os comunistas soviéticos que, enquanto nos países capitalistas se faziam Constituições Programáticas, com programas sociais que não seriam cumpridos e meramente serviriam para iludir o povo, na União Soviética era diferente: o Estado agia, construindo o socialismo, e portanto, em vez de prometer ações, deveria fazer uma balanço do que efetivamente já tinha sido feito em favor do povo, incorporando na Constituição as conquistas já realizadas no caminho e na construção do socialismo.