Trata-se do filósofo teórico que inaugurou o pensamento ocidental moderno. Seu livro mais famoso e mais importante, O Leviatã (1651), contém as sementes de praticamente todas as disciplinas do direito e, se não fosse Maquiavel ter escrito antes dele, também seria o precursor da ciência política.
Além de precursor do direito moderno, também foi precursor de teorias econômicas, sociais e até da psicologia. Na área do direito, lançou as bases do direito constitucional, do direito administrativo, do direito tributário, de partes da teoria geral da pessoa jurídica (algo muito utilizado no direito civil) e, claro, da teoria geral do Estado, já que apresentou, pela primeira vez, a ideia de uma criatura ideal produzida pelos homens, um ser fictício que determinaria e organizaria as relações sociais: o Estado.
Em termos mais gerais, ele foi responsável pela fundação da filosofia política que veio posteriormente a ser chamada de liberalismo, e uma nova ética social, baseada na defesa dos próprios direitos.
Parte do pressuposto idealista de que os homens vivem em estado de natureza, uma situação em que o homem é o lobo do homem (isto é, um tem toda a possibilidade de, por meio do uso da força, dominar o outro), o que causa a terrível insegurança de uma guerra de todos contra todos, já que é impossível que um confie no outro.
Para evitar essa situação de guerra, é preciso que os homens se organizem sob a forma de um pacto social: todos os homens que vivem em determinada região devem abdicar do uso da força em favor de um único homem que, por sua vez, utilizará desse poder para proteger aqueles que lhe conferiram tal poder. O soberano deverá proteger os súditos tanto dos outros súditos (proteção interna) quando de ataques de outros povos (proteção externa).
Hobbes se mostra, assim, altamente racionalista. Ele pressupõe que todos os homens, livres (pois em estado natural) e iguais (pois até mesmo o menor dos indivíduos tem capacidade para, usando armas, matar ou escravizar qualquer um, ainda que maior e mais forte fisicamente que ele), seriam seres racionais que considerariam vantajoso realizar um pacto para proteção comum de todos os habitantes de uma certa região.
Note-se que a palavra pacto, aqui, é mais adequada que contrato, já que não há relação de equivalência entre a troca feita entre os súditos (que abdicam do uso da força) e do soberano (que passa a ter o poder de usar a força para organizar o Estado). Apenas numa única situação Hobbes considera que o soberano não pode usar a força e, se o fizer nessa hipótese, poderá ser morto pelos súditos: caso intente matar o súdito. O soberano não deve, jamais, usar da força recebida contra a vida daqueles que lhe deram a força: deram a força, mas não a vida.
A racionalidade de Hobbes é altamente idealista. Ele não tem qualquer fundamento histórico para explicar as causas do pacto social. Sua justificação é apenas lógica, baseada na relação entre pulsão de morte (medo) e pulsão de vida (prazer). Pessoas livres, iguais e racionais realizariam o pacto, num determinado momento (atemporal!), para garantir a sobrevivência neste mundo:
“Para este fim, devemos ter em mente que a felicidade desta vida não consiste no repouso de um espírito satisfeito. Pois não existe o finis ultimus (fim último) nem o summum bonum (bem supremo) de que se fala nos livros dos antigos filósofos morais. E ao homem é impossível viver quando seus desejos chegam ao fim, tal como quando seus sentidos e imaginação ficam paralisados. A felicidade é um contínuo progresso do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção do primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo. Sendo a causa disto que o objeto do desejo do homem não é gozar apenas uma vez, e só por um momento, mas garantir para sempre os caminhos de seu desejo futuro. Portanto as ações voluntárias e as inclinações dos homens não tendem apenas para conseguir, mas também para garantir uma vida satisfeita, e diferem apenas quanto ao modo como surgem, em parte da diversidade das paixões em pessoas diversas, e em parte das diferenças no conhecimento e opinião que cada um tem das causas que produzem os efeitos desejados”
Segundo Hobbes, são dois os sentimentos que movem o homem: o medo e o prazer. Ainda que a vontade de ter prazer seja grande, o medo de perder a vida em geral é maior. A sobrevivência, quando está em jogo, torna o homem conservador, realizando cálculos com base no medo e não no prazer. Quando a sobrevivência não está em jogo, o homem arrisca em busca de um bem ou prazer maior. Afinal, para Hobbes, os homens desejam, e o desejo do homem não tem limites:
“Assinalo assim, em primeiro lugar, como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte. E a causa disto nem sempre é que se espere um prazer mais intenso do que aquele que já se alcançou, ou que cada um não possa contentar-se com um poder moderado, mas o fato de não se poder garantir o poder e os meios para viver bem que atualmente se possuem sem adquirir mais ainda. E daqui se segue que os reis, cujo poder é maior, se esforçam por garanti-lo no interior através de leis, e no exterior através de guerras. E depois disto feito surge um novo desejo, em alguns, de fama por uma nova conquista, em outros, de conforto e prazeres sensuais, e em outros de admiração, de serem elogiados pela excelência em alguma arte, ou outra qualidade do espírito.
A competição pela riqueza, a honra, o mando e outros poderes leva à luta, à inimizade e à guerra, porque o caminho seguido pelo competidor para realizar seu desejo consiste em matar, subjugar, suplantar ou repelir o outro. Particularmente, a competição pelo elogio leva a reverenciar a antiguidade. Porque os homens competem com os vivos, não com os mortos, e atribuem a estes mais do que o devido a fim de poderem empanar a glória dos outros”.
“O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a conseqüência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza que foram expostas nos capítulos décimo quarto e décimo quinto. Porque as leis de natureza (como a justiça, a eqüidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros”.
Para Hobbes, o progresso somente seria possível se houvesse situação de paz social. Daí a necessidade de realização do pacto. Ainda que os homens se tornassem súditos e perdessem sua liberdade natural (a liberdade de matar ou de morrer), sua vinculação a um corpo social organizado permite a eles a possibilidade de desenvolvimento econômico. Algo que precisa ficar claro (e que Hobbes não teve oportunidade de desenvolver) é a relação entre liberdade e necessidade: será que os homens são livres para contratar um pacto ou é a necessidade de sobreviver que os faz viver em sociedade? Será que realmente somos livres de nossas necessidades materiais?
Por conta da garantia de segurança e a possibilidade de progresso social, o soberano, pelo pacto social hobbesiano, tem poder para definir todas as regras endereçadas a seus súditos. Mas o próprio soberano não está sujeito às leis que ele mesmo cria, pois ele não faz parte do pacto: o pacto social se dá apenas entre os homens que se tornam súditos. O soberano tem, até mesmo, o poder de definir a crença oficial dos súditos (ele pode, por exemplo, romper com a Igreja Católica e fundar uma Igreja Anglicana…).
No estado de natureza, não existe ética, não existe justiça, não existe direito, não existem leis. Tudo é baseado na força. Apenas após o pacto de convivência pacífica, ou seja, apenas após a passagem do estado de natureza para o estado civil, é possível falar em leis, em regras, em direito e até mesmo em pecado (pois a religião também é inaugurada, segundo Hobbes, no estado civil).
Como tudo é estabelecido após o estado civil, o único direito que existe para Hobbes é o direito positivo. Não existe direito natural, pois no estado de natureza (ou estado natural) não há direito. Hobbes, assim, rejeita qualquer direito ‘sagrado’ à propriedade, por exemplo. Apenas a vida (e sua preservação) não é incluída no pacto social, pois foi para assegurar a vida que os homens teriam feito o pacto social hobbesiano.
O que é Leviatã? (Introdução do livro e o capítulo XII).
De onde Hobbes tirou esse nome? Do Velho Testamento. Veja o capítulo XXVIII:
“Expus até aqui a natureza do homem (cujo orgulho e outras paixões o obrigaram a submeter-se ao governo), juntamente com o grande poder de seu governante, ao qual comparei com o Leviatã, tirando essa comparação dos dois últimos versículos do capítulo 41 de Jó, onde Deus, após ter estabelecido o grande poder do Leviatã, lhe chamou Rei dos Soberbos. Não há nada na Terra, disse ele, que se lhe possa comparar. Ele é feito de maneira a nunca ter medo. Ele vê todas as coisas abaixo dele, e é o Rei de todos os Filhos da Soberba. Mas dado que é mortal, e sujeito à degenerescência, do mesmo modo que todas as outras criaturas terrenas, e dado que existe no céu (embora não na terra) algo de que ele deve ter medo, e a cuja lei deve obedecer, vou falar no capítulo seguinte de suas doenças, e das causas de sua mortalidade; e de quais as leis de natureza a que deve obedecer.”