Pode-se considerar Niccolò dei Bernardo dei Machiavelli (Maquiavel) como o fundador da ciência política da modernidade. Vivendo na Renascença, na Itália, apresentou ao príncipe de plantão um verdadeiro manual prático de como se manter no poder. Levando em consideração que a manutenção do poder era o objetivo fundamental do governante, afirmou válidas todas as formas de concretização desse objetivo.
Embora seja comum afirmar que é maquiavélico quem não se importa com o uso de quaisquer meios para atingir os fins, essa expressão (“os fins justificam os meios”) não é de Maquiavel. Na verdade, para se evitar erros de interpretação da teoria do Estado desse autor, é melhor esquecer aquela frase e substituí-la por outra: “os fins determinam os meios”.
Ou seja, serão escolhidos os melhores meios para se atingir o fim perseguido, mas um meio terrível não é justificado nem mesmo se ele permitir que o fim almejado se concretize.
Maquiavel escreveu O Príncipe entre 1512 e 1517, visando a descrever as qualidades que o governante deve ter para manter seu povo unido, evitando a desagregação social (perigos internos de perda do poder) e a guerra com outros Estados (perigos externos). Ele enfatizou que o conflito social é inevitável e que é impossível eliminar a identificação das pessoas ou grupos como amigos (aliados) ou inimigos (adversários).
Era extremamente prático e empírico. Não era afeitos a idealismos platônicos tampouco à prudências aristotélicas. Se para Aristóteles a prudência (“a virtude está no meio”) era a qualidade mais necessária a qualquer homem em geral, e aos governantes em particular para administração dos bens do Estado, para Maquiavel a prudência deve dar lugar à coerência dos atos do governante à consecução de seu fim último, qual seja, manter o Estado unido sob suas ordens.
Para isso, a prudência dá lugar à arte de governar. Está escrito em O Príncipe que existem dois modos de lutar: um com as leis, outro com a força; um príncipe deve saber como utilizar esses dois métodos, e sempre ter em mente que um deles, sem o outro, não produz efeitos duradouros:
“Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo, dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente, convém recorrer ao segundo. Portanto, a um príncipe torna-se necessário saber bem empregar o animal e o homem”.
Claro que a prudência pode ser útil, mas dependendo da situação, ela deve ser substituída pelo uso desmedido da força: um príncipe não deve hesitar quando puder exterminar seus adversários, e não deve deixar de acertar acordos políticos com inimigos ainda que isso seja contrário à moral pública, aos próprios princípios pessoais ou a qualquer ética.
Aliás, a separação entre a ética e a política, sua divisão em duas teorias totalmente distintas, ocorre justamente em O Príncipe: o governante não deverá ser ético se isso lhe trouxer desvantagem na manutenção de sua posição política. Comentando sobre a obra de Maquiavel, um pensador atual, Wayne Morrison afirma que o desafio que este autor apresentou foi o da necessidade de se defrontar com o papel da força e da coerção na política:
“Se não existe harmonia natural no mundo, que garantias se tem de que o bem irá sobrepujar o mal e de que a ética na política é um procedimento correto? Na verdade, como reconhecer o bem por oposição ao mal?”.
Apenas uma consideração de ordem histórica. No tempo de Maquiavel, havia vários “Estados” na península itálica, em um difícil equilíbrio de paz. Era sempre possível que dois ou mais Estados se aliassem para vencer um outro, era sempre possível que um Estado, após se declarar aliado de outro, traísse a aliança. Isto sem contar os fortes Estados mais ao norte, como a França e a Espanha, com interesses na região (por exemplo, a França de Carlos VIII invadiu e saqueou vários Estados Italianos, inclusive a Florença, na época em que Maquiavel vivia por lá).
Além disso, as condições materiais necessárias para suportar uma guerra podiam, ainda, minar as estruturas políticas internas e permitir que outros grupos, dentro de um mesmo Estado, dessem um golpe sobre o então governante, destituindo-o. O Príncipe leva todas essas condições históricas em conta e busca apresentar as soluções mais consistentes para cada uma delas.