A teoria política da era moderna (ou, mais precisamente, do século XVIII em diante), em especial por conta dos escritos de Locke, Montesquieu e os chamados federalistas (Madison, Hamilton e Jay), culminou por estabelecer as bases do que se convencionou chamar de princípio da tripartição do poder político.
Em teoria política, pressupõe-se que o exercício da força física deve ser contido e monopolizado na figura de uma entidade que representaria os interesses de todos os membros do grupo social. Essa entidade é atualmente denominada Estado (ou sociedade política), que é a personificação de uma estrutura cuja função é, exatamente, organizar os indivíduos segundo certas regras de modo que as pessoas não sirvam a outros, mas apenas a si mesmos.
Note-se que toda essa teoria se desenvolveu numa época em que os homens não eram iguais entre si (havia nobres, superiores, e plebeus, inferiores), assim como não eram livres (os nobres até tinham certa liberdade, embora também devessem obrigações de vassalagem para com o rei ou outro nobre, seu suserano). Os plebeus até eram livres, mas não teriam condições de viver fora do feudo. Havia, ainda, certas obrigações recíprocas, pelas quais os nobres deviam proteger os plebeus de ameaças externas e julgar os problemas que acontecessem entre os plebeus, do mesmo modo que estes deviam plantar e fornecer ao menos metade da colheita para o nobre que os protegia.
Os comerciantes não faziam parte das obrigações feudais. Eles viviam fora do feudo, nos burgos. Daí o nome burguês (relativo ao burgo). Mas não eram nobres e, por exclusão, eram considerados como parte da plebe. A diferença entre burgueses e os demais membros do povo estava no fato de o burguês ter condição de enriquecer, por conta de sua atividade econômica mercantil. Os nobres não deviam trabalhar, pois isso era atividade que cabia ao povo. Os burgueses tinham um trabalho que não era vinculado à terra. Inicialmente apenas voltado para o comércio, aos poucos passou à concessão de crédito, à produção de máquinas, à indústria.
No entanto, mesmo enriquecendo, mesmo adquirindo poder econômico e até influência política, os burgueses ainda faziam parte do povo. Não tinham berço nobre, eram diferentes, inferiores, e assim tratados pela nobreza e pela realeza. Os nobres, mesmo empobrecidos, ainda mantinham-se firmes na pose de senhores de terras e dos vassalos que cultivavam a terra em seu nome. Donos das terras (e das estradas que cortavam os feudos), os nobres tinham o poder de impor a cobrança de tributos (como se fosse, hoje, pedágio). Como os burgueses dependiam das trocas e do deslocamento entre as cidades e os feudos para realizar sua atividade econômica, acabavam sendo os alvos favoritos dos nobres. Não só isso. Era comum o seqüestro de comerciantes por nobres e a exigência de pagamento de resgate. Mesmo sendo algo tenebroso, não havia nenhuma norma que impedisse que o nobre agisse desse modo, já que sua palavra era a lei do lugar.
Note-se, assim, que os ideais de liberdade e de igualdade serviam, principalmente, como libelo de emancipação contra a tirania da nobreza não tanto sobre os plebeus em geral, mas sobre a burguesia em particular. Esta, aumentando seu poder econômico ao longo do tempo, acabou tendo condições tanto de se armar quanto de firmar alianças capazes de reduzir a força e a influência dos nobres. Mas sobre esta questão de força bruta ninguém fala muito. Prefere-se apenas afirmar que eventos como a Revolução Francesa aconteceu por conta da percepção geral que era tempo de que as pessoas fossem consideradas livres e iguais (esquece-se que os nobres, todos os que dominavam o cenário político da época, foram contra a revolução justamente porque ela contrariava seus interesses econômicos).
Não se deve, no entanto, dar pouca importância para o aspecto ideológico do liberalismo. Até mesmo os nobres passaram a considerar como algo “evidente” que os homens não eram dependentes de um rei revelado por Deus, nem que realizavam um pacto hobbesiano, mas que teriam em si uma certa dignidade que lhes atribuía a condição de livres e de iguais entre si. Exatamente como desenvolveram, em especial, Locke e Rousseau.
O Estado, assim, serviria para que a liberdade dos indivíduos fosse assegurada, bem como todos tivessem sob a mesma condição de igualdade perante as leis estatais. O Estado jamais poderia tratar dois indivíduos sob mesma situação de forma diferente, a lei deve ser aplicada igualmente a cada um deles.
O problema reside, assim, no fato de alguém que tomar o poder político (o poder de monopolizar a força e determinar os rumos da sociedade), terá grande chance de ficar tentado a usar esse poder para seus interesses particulares e não para concretizar o bem comum. Como resolver isto?
A solução estava, então, em dividir o poder político: quem legisla (isto é, faz leis para serem seguidas por todas as pessoas) não deve executar/determinar a aplicação das leis. Separa-se, assim, o poder legislativo do poder executivo.
Nos tempos de Montesquieu, que desenvolveu essa teoria a partir dos escritos de Locke, ainda não estava clara a existência de um terceiro poder, o judiciário. Tanto que os juízes faziam parte do poder executivo, e estavam obrigados, ao menos segundo a teoria de Montesquieu, a aplicar a lei exatamente como se ela tivesse sido aplicada pelo legislador que a criou. A expressão “juiz boca-da-lei” é dele. Não deveria o juiz interpretar a lei, mas apenas aplicá-la, de forma totalmente neutra, como se isso fosse possível.
Aliás, é por conta dessa influência teórica que até hoje se acredita que o poder judiciário é um poder neutro, apolítico. Logo, um poder “técnico”, que não depende de relações político-partidárias para se estabelecer, tendo seus cargos preenchidos por concurso e não por sufrágio universal. Porém, os juízes também são políticos, têm visão de mundo, muitas vezes diferente da posição determinada pelos legisladores. Curiosamente, na época de Montesquieu, os juízes eram os nobres. Tanto fazia para Montesquieu, que também era nobre (Barão), se os juízes fossem boca-da-lei ou não, já que, em sua estrutura política (apresentada em O Espírito das Leis), o legislativo seria composto por duas câmaras, sendo uma delas, o senado, formada por nobres com direito de veto. Com o advento da Revolução Francesa, porém, ocorreu algo diferente do que queria Montesquieu: não só os juízes foram mantidos como “bocas-da-lei”, pois os burgueses não tinham nenhum interesse em que suas leis fossem aplicadas em sentido diferente (segundo interesses dos nobres), como não houve nenhum senado formado por nobres com poder de veto.
A ideia do judiciário como poder autônomo em relação ao legislativo e o executivo é devida aos federalistas e ao sistema jurídico dos Estados Unidos. Lá, os juízes não eram nobres (nunca houve separação entre nobres e plebeus nos EUA, apenas divisão social entre ricos e pobres. Sobre este assunto, cf., caso haja interesse, Tocqueville, Da democracia na América).
E o que significa separar o poder político? Trata-se apenas de evitar que a força estatal seja fique nas mãos de um único grupo político. Na época, fazia todo sentido, já que os legisladores eram representantes do povo (se bem que não eram membros do povo, mas da burguesia), os administradores eram indicados pela coroa, os juízes eram oriundos da nobreza. Assumindo-se a separação de poderes, criavam-se espaços políticos em que cada um dos grupos teria certa autonomia para realização de seus interesses políticos, mas não teria como sobrepor seus interesses sobre os interesses dos outros grupos.
Mas não é esta a resposta que se encontra nos livros de teoria do estado. Nestes, a separação dos poderes serve para evitar que o poder político seja concentrado nas mãos de uma pessoa ou grupo. A separação de poderes impõe que a lei deve ser a única ordem a ser seguida pelos cidadãos (já que a lei, em tese, é uma norma baixada pelos próprios cidadãos, de modo que, ao obedecê-la, as pessoas obedecem a si mesmas e não a outros). Como a lei é uma ordem geral e abstrata, o executivo deverá promover sua aplicação em casos concretos segundo os interesses da administração (mas sem alterar o sentido da lei), assim como o judiciário deverá aplicar a lei aos casos concretos em que há conflitos entre indivíduos sem alterar o sentido da lei.
A separação de poderes, porém, não é absoluta. O que existe é um sistema de freios e contrapesos, pelos quais os três poderes atuam em harmonia, de modo a um fiscalizar os outros dois. Em certas épocas, um dos três acaba predominando, como o legislativo na Inglaterra de Locke ou na França da Revolução Francesa, o executivo no Brasil, o judiciário na Alemanha.
Claro que existem problemas, como por exemplo, nos EUA é comum um dos partidos políticos dominar o legislativo, o executivo e ainda indicar os juízes federais e vários membros da suprema corte. Ainda que haja separação de poderes (formalmente falando), na prática ocorre uma situação em que o mesmo grupo político domina todo o Estado, utilizando a máquina estatal para realização de interesses desse grupo, muitas vezes em detrimento da concretização de interesses de outros grupos sociais daquele país.