Dos autores de sua época, foi um dos maiores. Homem nascido livre em uma cidade livre (Genebra), não possuía laços com o regime feudal (modo de produção predominante em seu tempo, ainda que em época de superação pelo capitalismo).
Não é autor de um livro só. Seu “Do Contrato Social” (1762) é sem dúvida o mais famoso (e reza a lenda que tal livro fez com que Kant, pela única vez em sua vida, ficou lendo e se esqueceu de sair de casa para passear na hora costumeira). Mas dois outros escritos seus são simplesmente brilhantes: o “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens” (1755), “Tratado sobre Economia Política” (1755) e “Emilio” ou “Da Educação” (1762).
De todas as suas considerações, o trecho abaixo está no primeiro parágrafo da segunda parte do Discurso:
“O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém !”. Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa idéia de propriedade, dependendo muito de idéias anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza. Retomemos, pois, as coisas de mais alto, e tratemos de reunir, sob um só ponto-de-vista, essa lenta sucessão de acontecimentos e de conhecimentos na sua ordem mais natural.”
Assim como Locke, Rousseau acredita que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Afirma que a humanidade passa a se deteriorar no momento em que as pessoas passam a aceitar a existência da propriedade privada – isto é, a partir do momento em que os bens deixam de pertencer a toda a comunidade para pertencerem a pessoas individualmente consideradas. Nota-se, assim, que Rousseau é um iluminista que identifica os homens como indivíduos bons que, por algum motivo externo a eles (a sociedade), se tornam maus.
Idealista, racionalista, romântico, vê na educação dos povos a possibilidade de reverter a situação de crise da sociedade (comparar com a República de Platão). Acredita na possibilidade de, racionalmente, instituir-se um contrato social que substituam as relações sociais de dominação de um pelo outro. Note-se bem: o estado de natureza de Rousseau é similar ao estado de natureza de Locke (pois o homem é naturalmente livre, bom e piedoso): por conta da sociedade que se desenvolveu, houve corrupção das relações sociais, que só pode ser transformada por um contrato social pelo qual as pessoas, livres e iguais, busquem a instituição de um Estado que, em vez de promover a vontade de todos, promova a vontade geral.
No “Contrato Social”, fala de força (Livro I, Cap. III), mas se recusa platonicamente a considerá-la importante para a organização civil dos homens. Existe força, ele não a nega. Mas se recusa a aceitar que o direito possa decorrer de atos de força (é nesse mesmo item que está uma frase muito utilizada para refutar as respostas simples sobre a realidade, de que tudo seria obra de Deus).
Há algumas palavras-chave nas obras de Rousseau.
A primeira é contrato social, racional e unânime entre todos os homens. Os homens realizam o contrato para trocarem a liberdade do estado de natureza pela liberdade de agir segundo a lei. O contrato social elimina a desigualdade (na força física e na astúcia) própria da natureza e a substitui por uma igualdade moral (Livro I, Cap. VI).
A segunda é a vontade geral. Que não se confunde com a vontade de todos (Livro II, Cap III, e Livro III, Cap. II). Quem for contra a vontade geral (que representa a igualdade moral de todos perante a lei) deve ser forçado a mudar sua conduta. O soberano só tem atos legítimos se tais atos forem conforme a vontade geral. Senão, “não são leis, mas apenas decretos.”
A terceira é que a vontade geral decorre do soberano, que não é senão o corpo social (ou seja, o povo, por ser mais numeroso, compõe o soberano em quantidade maior que os nobres ou o clero). Essa consideração fez com que Rousseau fosse perseguido em vários reinos e feudos (pois onde já se viu afirmar a um rei que ele não é soberano, mas sim que seu povo é, e que toda ordem contrária à vontade geral seria ato ilegítimo?)
Rousseau fala de repartição de poderes (Livro III, Cap I), mas sem sistematizar ou usar a estrutura de Montesquieu (p.ex., não fala em poder judiciário), mas divide a estrutura estatal de modo que o governo não pode ser confundido com o povo (soberano) nem com seus representantes (legislativo). Ao contrário de Montesquieu, para quem o executivo deve executar fielmente e sem contestação as leis postas pelos representantes do povo, Rousseau permite considerar que o governo pode atuar mesmo contra certas leis, desde que aja conforme a vontade geral.