Em 27/11/2020 publiquei aqui sob o título “A amante tem direito à herança de homem casado”, matéria que dizia respeito não só à pensão, mais que isso, estabelecia o direito da amante em herdar bens de homem casado.
Naquela oportunidade, abordei julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que em acertada decisão, entendeu que a amante tem efetivo direito à herança de homem casado o que naturalmente abrange o direito à pensão.
Porém, em julgamento havido em 18/05/2021, o STF, conservador e reacionário como sempre, decidiu na contramão do entendimento esposado pelo tribunal gaúcho.
O relator, ministro Marco Aurélio de Mello chegou mesmo ao absurdo de classificar a relação concubinária como ilícita porquanto, segundo ele próprio, não encontra proteção constitucional na medida em que difere da união estável.
Explica-se; na união estável, os conviventes não estão impedidos de casarem-se (art.1726 do Código Civil) e no concubinato estão (art.1727 do mesmo Diploma).
Porém será que este impedimento, por si só, implicaria em menor importância da relação concubinária quando comparada com a união estável ?
Penso que não; se mesmo as relações humanas casuais, de caráter acidental, geram sérias consequências ao mundo jurídico, como por exemplo, a obrigação de reconhecer-se a paternidade independentemente de que o homem seja casado, com maiores e melhores razões, as relações humanas não eventuais, destinadas à formação de família, dentre as quais se inserem a união estável e o concubinato, devem trazer seríssimas consequências ao mundo jurídico.
Não se pode classificar diferentemente duas relações pessoais destinadas a constituir família, estabelecendo-se pesos e medidas desiguais porque em uma delas existe impedimento ao matrimônio.
Como se sabe, ambas são de caráter permanente e independem da autorização estatal consubstanciada no casamento para terem existência.
Na união estável não existe obrigatoriedade de conversão em casamento, o artigo 1726 do Código Civil estabelece tão só a faculdade, a possibilidade disso sem, contudo, obrigar ninguém ao casamento e bem assim sem considerar a possibilidade de conversão automática.
No concubinato, existe impedimento ao matrimônio dos concubinos conforme dispõe o artigo 1727 do mesmo Codex sem, contudo, retirar da relação concubinária o caráter de permanência e continuidade.
Assim, em razão do caráter não eventual de ambas as relações, estabelecidas com o intuito de constituir família, nada mais natural que reconhecer-se que as consequências civis de suas respectivas existências devem ser as mesmas, tanto para a união estável quanto para o concubinato, independentemente do impedimento ao matrimônio para este último.
Modo contrário, a manter-se mais esta aberração jurídico-social do STF estaremos dando passo atrás, voltando a idos tempos de triste memória, quando o revogado Código Civil de 1916 proibia o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento considerando-os ilegítimos porque havidos de relações adulterinas.
Naqueles tempos, anteriores a Constituição de 1988 que em boa hora veio para consertar dentre outras esta situação, estes filhos não tinham os mesmos direitos hereditários dos havidos na constância do casamento entre os pais, verdadeiro absurdo do qual brotaram as mais preconceituosas denominações tais como, adulterinos, incestuosos, de pai ignorado, naturais, espúrios, bastardos e ilegítimos, à exemplo da infeliz expressão utilizada pelo ministro ao referir-se ao concubinato em seu equivocado voto.
Como já assinalado, sentimentos não se sujeitam a regras e/ou preconceitos, sendo necessário reconhecer-se a duplicidade afetiva que pública e notoriamente é reconhecida socialmente, afinal, as leis não preexistem aos fatos sociais; elas surgem após a verificação deles exatamente para normatizá-los, sempre com observância da dignidade da pessoa humana, solidariedade, busca pela felicidade, liberdade e igualdade, deixando de lado julgamentos morais.
Daí resulta que a infeliz e lamentavelmente a decisão do STF, ao invés de reconhecer a realidade de nossos dias, parece saída das Ordenações Filipinas que vigiam no Brasil ao tempo de sua invasão pelos portuguêses.
Constitui dado histórico de relevância o fato de que a reprovabilidade jurídica das relações humanas, decorrente de preconceito social, jamais em tempo algum impediu sua ocorrência que, com o passar dos anos foi cristalizando-se até o ponto de compor nova ordem social, ante o que, à legislação só restou normatizá-las ao invés de julgá-las…
Lamenta-se que tais dados socioantropológicos tenham passado ao despercebimento da Suprema Corte brasileira que, em tese porque formalmente superior à gaúcha, deveria, por uma questão de Justiça, abeberar-se na fonte da sulista que, tantas e corajosas decisões, consentâneas com a modernidade nos tem trazido.
Afinal, como já dito e redito, os tempos são outros…
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