Há pouco tempo tive a oportunidade de assistir ao filme “ELEANOR & COLETTE” que nos EUA foi lançado sob o título “55 STEPS”.
Baseado em fatos reais, narra a saga jurídica da doente mental Eleanor Riese e de sua advogada Colette Hugues na luta que empreenderam nos tribunais norte-americanos para que Eleanor pudesse recusar-se a internação e tratamento médico a ela prescrito em um hospital psiquiátrico da cidade de São Francisco.
Essa película que recomendo à todos quantos tenham interesse no tema, trata de assunto muito controvertido, tanto no meio médico, quanto no jurídico.
Não há dúvidas de que qualquer paciente possa recusar internação e tratamento médico; afinal é seu direito !
Mas e quando esse paciente é doente mental ?
Nesta hipótese, quando as condições clínicas deste paciente permitem que ele manifeste validamente sua oposição à internação e/ou ao tratamento prescrito, sua vontade deverá ser respeitada.
Porém, quando não se puder obter sua recusa esclarecida, em situações de emergência e para evitarem-se danos imediatos ou iminentes ao próprio paciente e/ou a terceiros, desde que tais riscos estejam devida e objetivamente caracterizados e justificados em prontuário médico e também desde que haja consentimento de um responsável legal, considera-se possível realizar a internação e bem assim submeter o paciente a tratamento, independentemente de sua vontade.
Da mesma forma será possível submeter o paciente à internação e/ou tratamento involuntários quando, muito embora ele não apresente condições de consentir, não se opõe à internação e/ou o tratamento.
De qualquer modo, as internações involuntárias, ou seja, independentes da vontade do paciente, devem ser comunicadas no prazo de 72 horas ao Ministério Público Estadual e bem assim quando houver alta hospitalar.
Isso é o que estabelece a legislação respeitante anotada ao final deste artigo.
Todavia, na prática, as coisas não são tão fáceis, vejamos porque…
Para permitir que o paciente possa recusar-se à internação e/ou tratamento, exige-se possa ele validamente expressar sua vontade nesse sentido, ou seja, que sua recusa se dê de forma lúcida e consciente, no regular uso e gozo de suas faculdades mentais, o que NEM SEMPRE é possível obter !
Nesta hipótese, ou seja, ante a impossibilidade de que o paciente possa expressar validamente sua vontade, desde que esteja presente situação emergencial que ponha em risco sua segurança pessoal e/ou de terceiros, a internação e o tratamento à margem de sua vontade é admissível, desde que por ele consinta seu representante legal; mas e quando NÃO HOUVER representante legal ?
Observe-se também o fato de que sua internação e submissão involuntária ao tratamento, poderá ocorrer quando, mesmo sem condições de consentir, ele ao menos não se oponha à internação e/ou ao tratamento, fato este que encerra em si próprio, verdadeira contradição na exata medida em que, por óbvio, a ausência do consentimento não poderá ser interpretada como ausência de recusa, ou seja, quem cala NÃO consente !
Por final, note-se que os comunicados das internações realizadas à margem da vontade do paciente terão que ser comunicadas ao Ministério Público, porém, tais comunicações bastam-se ao fato das internações em si, não contemplando o tratamento prescrito, o que, infelizmente, senão impede, ao menos dificulta o EFETIVO ACOMPANHAMENTO do caso pelo promotor de justiça.
Como se vê, as normas atinentes à matéria não estabelecem com a necessária clareza se o paciente pode ou não recusar submeter-se a internação e/ou tratamento médico-psiquiátrico.
Este tema tem causado acaloradas discussões no meio médico-jurídico; notada e principalmente em relação a pacientes que apresentam doenças de efeito intermitente.
Isso porque nem sempre é de fácil detecção o exato momento em que o surto psiquiátrico é instalado e quando desaparece, para, após, novamente instalar-se, posteriormente desaparecer e assim sucessivamente…
Imagine-se então a existência de um paciente que apresente intermitentes surtos psiquiátricos, mas que no intervalo entre eles, revele-se em plenas condições de livre e conscientemente dispor validamente de sua vontade de não consentir com a internação e/ou tratamento prescrito.
Conquanto possa ser momentâneo, o regular uso e gozo de suas faculdades mentais no intervalo entre os surtos, evidencia ser absolutamente desnecessário “consultar-se” seu representante legal; se houver.
Da mesma forma, será impossível sua internação ou submissão a tratamento involuntário quando ele, muito embora expressamente não consinta, tacitamente não se oponha, porquanto, como já dito, quem cala não consente !
Por outro lado, a internação e o tratamento involuntários poderão ser impostos sob o pretexto de que o paciente, em virtude de surto psiquiátrico momentâneo, que naquele instante não lhe permita condições clínicas aptas à obtenção de seu consentimento esclarecido, vivencie situação emergencial que o coloque em risco e/ou bem assim aos circunstantes ?
Conquanto à primeira vista desta particular hipótese, possa parecer induvidosa a possibilidade de internação e/ou tratamento a ser ministrado independentemente da vontade do paciente, necessário é proceder-se a algumas ponderações de extrema importância que obrigatoriamente devem ser consideradas sob pena de que a pretendida internação involuntária possa até mesmo configurar crime.
Para afastar essa grave responsabilidade, não bastará caracterizar e justificar em prontuário médico, de forma objetiva e clara, quais, quantos, em que grau e por quanto tempo se farão presentes os riscos de danos imediatos e/ou iminentes ao paciente e/ou a terceiros.
Além disso, em virtude da intermitência da nosologia, considerando-se que o paciente, passado o surto, poderá livre, consciente e validamente exprimir sua vontade, não será possível ministrar-lhe entorpecentes de longa duração, mas tão somente os que possam temporariamente assegurar-lhe e/ou a terceiros a necessária segurança pelo período estimado dos riscos advindos do surto, findo o qual, deverá ele, obrigatoriamente ser consultado à respeito, tanto no que concerne a internação quanto ao tratamento.
Nessa hipótese, importante é pôr-se em relevo a intermitência da nosologia que em dado momento apresenta condições clínicas impossibilitadoras de que se colha o consentimento esclarecido do paciente para, logo em seguida, apresentar situação diversa permitidora de que possa ele exprimir validamente sua vontade.
Esta particular característica da doença mental, qual seja a intermitência de surtos psiquiátricos, é determinadora de que; ausentes quaisquer riscos à segurança do paciente e/ou de terceiros decorrentes de seu surto; não se possa, com base na ausência temporária e provisória de condições clínicas que lhe permitam consentir esclarecidamente, seja ele involuntariamente internado e/ou submetido à quaisquer tratamentos.
Como é ressabido, a maioria dos tratamentos médico-psiquiátricos inicialmente prescritos valem-se de medicações de poderoso efeito prostativo em que o paciente sequer consegue articular de forma ordenada e lógica seu pensamento e sua vontade.
Lembre-se que no exemplo “sub examine” trata-se de paciente psiquiátrico vitimado por surtos psiquiátricos intermitentes com intervalação lúcida, orientada e consciente durante a qual pode e deve livremente exercer seu direito de escolha em não submeter-se à internação e/ou ao tratamento psiquiátrico que lhe foi prescrito.
Isso, desde que não esteja sob o efeito de poderosos psicotrópicos, que, por óbvio impediriam-no livre e conscientemente exercer sua vontade.
Aliás a própria ministração medicamentosa realizada à esse pretexto já constitui, por si só, violação à sua vontade posto que a intermitência de sua nosologia, permite-lhe uma vez passado o surto, manifestar sua vontade de forma livre e consciente, o que, sob efeito de psicotrópicos ministrados inicialmente, não poderá mais realizar.
Assim, forçoso é reconhecer a abusividade da conduta de quem, com base na suposta permissividade estabelecida em lei se arvora no direito de substituir, ainda que provisória e temporariamente, a vontade de paciente acometido de surto psiquiátrico intermitente, submetendo-o simultaneamente a ocorrência do fato à internação e/ou tratamento psiquiátrico involuntário.
Não se trata de tema pacífico; sempre suscitou enormes, graves e importantes dúvidas, sendo certo que, como já visto, até mesmo o cinema tem-se ocupado do tema.
Absolutamente controvertida, a situação aqui retratada já foi enfrentada por nossos Tribunais de Justiça existindo decisões díspares que aguardam decisão final da mais alta Corte de Justiça do País, donde se espera venha um entendimento humanitário único, consentâneo com os princípios constitucionais que albergam direitos humanos fundamentais respeitadores da livre manifestação da vontade do paciente psiquiátrico que, conquanto intervalada possa ser, evita abusos de toda a sorte e restabelece a dignidade da pessoa humana, elevando-a ao merecido patamar.
Legislação referida :-
- Resolução 1598/2000 do CFM
- Lei 10.216/2001
- Constituição Federal
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