Já se vão mais de trinta e tantos anos, naquela época a advocacia era exercida com menos “business” e mais romantismo, mais ardor e porque não dizer, com mais amor.
Esse “causo” eu pessoalmente não assisti, mas ficou indelevelmente marcado do “folclore” judiciário rioclarense; o colega Paulinho de saudosa memória foi quem me contou e paro por aqui; hoje há muitos “Paulinhos” advogados e creio que ele esteja de certa forma acobertado, menos para os que, como eu, mais antigos, saibam quantos e quais “Paulinhos” exerciam a advocacia apaixonada daquela época…
Mas vamos ao “causo”
“Era uma vez” um juiz de indisputável mau-humor; não posso dizer se criminal, pois naquela oportunidade, segundo me recorde as varas ainda eram mistas.
Dir-se-ia mais, pois mau-humor ainda seria suportável; era arbitrário mesmo; exercera a judicatura desde a ditadura militar e talvez por isso acreditasse soprassem-lhe ventos de indiscutida autoridade.
Malgrado sua personalidade, digamos “forte”, vivia “enfezado” quiçá nos termos mais específicos que o vocábulo possa encerrar.
Pois bem, esse magistrado exigia que os interrogatórios dos réus trazidos à sua presença, fossem realizados com os infelizes de pé, na ponta da mesa, quase que em posição de sentido, exceto pela cabeça que deveria manter-se abaixada, em respeitosa submissão, como, aliás, segundo ele próprio, seria natural esperar-se de qualquer réu, naturalmente desenxabido pelo ato anti-social praticado.
Naquela tarde modorrenta, no fórum, nos altos do prédio onde hoje situa-se o Banco do Brasil, antiga “Nossa Caixa”, na Rua 3 esquina com a Avenida 2, lá estava ele, mal-humorado como sempre, em sua mesa, por sobre um tablado de madeira, portanto mais alta que a de reunião, onde sentam-se os advogados e promotores, perpendicularmente colada a ela, aguardando por mais um interrogatório de réu preso.
Registre-se por oportuno o fato de que sob a égide processual penal da época o interrogatório era ato privativo do juiz, o advogado, quando presente reduzia-se a mero espectador e nada mais.
Mas voltemos ao “causo” chega mais um infeliz para o interrogatório; devidamente algemado, puxa a cadeira mais à mão exatamente a da ponta da mesa, onde deveria estar em pé e… senta-se !
Louco! pensavam todos os circunstantes; será que seus companheiros de cela não o advertiram dos maus bofes do magistrado? E a tempestade realmente não tardou…
Irado, de dedo em riste e face violácea, aos gritos levanta-se o juiz para exigir respeito do pobre réu que sem nada entender, ainda permanecia apalermadamente sentado…
Tanto esbravejou, gritou, vociferou o magistrado que, “inaudita altera pars” escapou-lhe da boca desmesuradamente escancarada a própria dentadura e projetando-se ao longo da mesa, caprichosamente deslizou por toda sua extensão, passeando entre promotor de um lado e advogado de outro, findando viagem onde, ainda sentado, com as mãos abertas, juntadas por força das algemas, aguardava-a o preso.
Recebida a prótese, de maneira gentil e prestativa levanta-se o réu e indo até o constrangido juiz, com ambas as mãos à frente devolve-lhe a dentadura…
O Paulinho não me contou, por isso fico sem saber se o juiz agradeceu a gentileza.
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