“Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei;
nunca se viu a lei reformar a sociedade.”
Jean Cruet, advogado francês do século XIX
PRELÚDIO
Antes de analisar a lei como instrumento de poder, necessário se faz distinguir palavra, conceito e definição da lei; elemento básico e essencial da estrutura normativa.
Dessa forma, o trabalho terá direção e o raciocínio será sistematizado de modo a resolver uma das primeiras dúvidas de um trabalho intelectual: devemos conceituar ou definir o objeto do estudo? Qual é a melhor maneira para apresentar argumentos científicos?
Palavras são símbolos que se encontram no plano da linguagem. Toda palavra que integra um sistema linguístico, socialmente consagrado, tem um significado. Esse significado é chamado de conceito, que se encontra no plano do pensamento. O conceito é a primeira apreensão mental que temos sobre algo por intermédio de uma palavra, exprimindo o objeto do conhecimento, sem, entretanto, afirmar ou negar.
A palavra sem conceito, segundo Alaôr Caffé Alves, “é um conjunto de sons e signos visuais que não têm valor por si mesmos, mas servem de suporte (material) do pensamento, tornando-o comunicável aos outros”.
Da mesma forma: “Se não tivéssemos disponíveis as palavras de um determinado sistema linguístico, efetivamente não poderíamos pensar naquela língua”. Sendo assim, a palavra só fará parte de um sistema linguístico se ela for, além de si mesma, inter-relacionada com a significação, ou seja, com o conceito.
Quando duas palavras têm o mesmo conceito, são chamadas de sinônimas. De outra forma, existem certas palavras que têm mais de um conceito, o que cria uma equivocidade, a qual só poderá ser sanada em função do contexto ou da situação que a palavra foi empregada.
Não se pode confundir palavra com termo. A definição geral do termo, para Goffredo Telles Júnior, é o “último elemento lógico daqueles em que se decompõe a argumentação”. Para uma melhor compreensão, a argumentação é o produto do raciocínio, que, por sua vez, é uma operação mental com o intuito de produzir conhecimento.
A simples apreensão é a operação pela qual a pessoa forma a ideia. Assim, a ideia é o conhecimento intelectual da coisa, o qual é a representação de alguma coisa pela própria pessoa que conhece.
Finalmente, a definição é utilizada para dizer o que é uma coisa, por meio de aspectos compreensíveis dessa coisa, ou seja, a definição indica, expressa e analiticamente, as características que formam o conteúdo de um conceito, possibilitando o entendimento entre os homens, na sua vida prática e na elaboração científica.
Uma definição pode ser nominal (de palavras), quando explica etimologicamente um determinado vocábulo, ou real (de coisas), quando explica a própria coisa, distinguindo-a de outras.
Muitas expressões que na língua portuguesa são contrastantes entre si têm origem nos vocábulos latinos nomen e res, os quais significam respectivamente nome e coisa. Daí, nominal é o que se refere a nome, podendo designar algo que existe mais como nome do que como coisa, ao passo que real se refere à coisa e, no mais das vezes, designa algo que existe na realidade, como coisa. Desse modo, a ideia de constituição nominal contrasta com a de constituição real. Além disso, muitos termos usuais no direito político, ainda que não contrastantes, encontram aí sua acepção primária, v.g. República, cuja definição nominal etimológica remonta ao latim, res publica, significando coisa pública.
É preciso esclarecer os termos, a fim de defini-los devidamente, eis a importância da definição. Dessa forma, quadram bem as palavras de Sérgio Resende de Barros, ao dizer que “o meio mais lógico de principiar é definir logo de início o que se tem por fim”.
Dessa forma, impõem-se algumas considerações preliminares sobre o conceito da lei na Teoria do Estado e do Direito.
Na Antiguidade o conceito de lei é praticamente inseparável de sua dimensão material. Desde os pré-socráticos até Aristóteles, leis verdadeiras são as boas e justas dadas no sentido do bem comum.
Aristóteles, na obra Ética a Nicómaco, afirma que a “soberania da lei equivale à soberania de deus e da razão”; e na obra A Política, afirma que a lei “é a inteligência sem paixões” e “ao dispor só de maneira geral, não pode prever todos os casos acidentais”, ou seja, a lei só pode ser determinada em relação ao justo.
Para Cícero a lei é a “suprema ratio, ínsita na natureza”. Além disso, a jurisprudência romana distinguia as leges (leis) dos privilegia. Mediante aquelas, o povo estabelecia uma determinação geral; e estes eram determinações individuais a favor ou contra particulares.
Na Idade Média, São Tomás de Aquino escreveu: “a lei é uma ordenação racional, dirigida no sentido do bem comum e tornada pública por aquele que está encarregado de zelar pela comunidade”.
Dessa forma, têm-se na Antiguidade e na Idade Média duas características básicas da lei: a expressão do justo e racional e o seu direcionamento ao bem comum.
Thomas Hobbes inaugura o conceito voluntarista e positivo da lei, determinando que a lei é uma vontade e uma ordem enfeixando-se em um comando: “a lei, propriamente dita, é a palavra daquele que, por direito, tem comando sobre os demais”, ou seja, afasta da lei a expressão do justo e racional.
A lei ganha o seu primeiro contorno, típico do liberalismo com John Locke na obra Dois Tratados sobre o Governo. A lei é o instrumento assegurador da liberdade, para Locke “não é tanto a limitação, mas sim o guia de um agente livre e inteligente, no seu próprio interesse”.
Assim, a lei geral e abstrata passa a ser entendida como protetora da liberdade e da propriedade dos cidadãos sob o arbítrio do soberano.
Montesquieu definiu as leis como “as relações necessárias que derivam da natureza das coisas” e com esse arcabouço teoriza a Separação dos Poderes, vinculando o Poder Legislativo com as leis gerais e o Poder Executivo com as ordens e decisões.
A lei ganha status de instrumento da atuação da igualdade política com Jean-Jacques Rousseau, sendo que a lei é um produto da vontade geral. Geral por ser a vontade comum do povo inteiro e por estatuir para o corpo de cidadãos e não somente para um determinado cidadão.
Nas palavras de Rousseau, “a vontade geral, para ser verdadeiramente, deve sê-lo no objeto, assim como na sua essência; que ela deve partir de todos para se aplicar a todos”; “Já disse que não havia vontade geral relativamente a um objeto particular: quando todo o povo estatui para todo povo é a si mesmo que se considera e se, então, se forma uma relação, é entre todo o objeto, sob o ponto de vista, e todo o objeto, sob outro ponto de vista sem qualquer divisão do todo. Então a matéria sobre a qual se estatui é geral como a vontade que estatui. É esse ato que eu chamo de lei”.
Consequentemente, a lei estatui abstratamente os assuntos da comunidade.
Para Emmanuel Kant é a soberania popular que determina o âmbito da lei. A sabedoria popular é “a vontade pública da qual deriva todo o direito e que, por conseguinte, não deve fazer dano a ninguém; deve, sim, corresponder a vontade do povo inteiro – em que todos deliberam sobre todos e, portanto, cada um sobre si mesmo”.
Não devemos confundir a concepção de Rousseau e de Kant, pois a doutrina kantiana não se trata de derivar a lei da vontade de todos os cidadãos, mas de construir a lei como se ela derivasse da vontade de todos. Para Kant o Estado é um Estado de Direito e não uma democracia. A vontade do povo é exercitada por um legislador.
Para isso, Kant distingue a Gesetz (lei) e a Máxima. A lei só é lei por ser um princípio prático e uma proposição contendo uma determinação tornando-a válida para qualquer ser racional. Se a validade embasar-se somente pela vontade do sujeito é uma simples Máxima.
Em Georg Wilhelm Friedrich Hegel o Poder Legislativo é concebido como o poder de organizar o universal, pois a lei é considerada como expressão do geral e os atos do executivo como expressão do particular: “Quando se tem de distinguir entre aquilo que é objeto de legislação geral e aquilo que pertence ao domínio das autoridades administrativas e da regulamentação governamental, pode essa distinção geral assentar em que na primeira se encontra o que, pelo seu conteúdo, é inteiramente universal. No segundo encontram-se, ao contrário, o particular e as modalidades de execução”.
Vê-se que a pluralidade de conceitos demonstra e projeta um pensamento, arraigado em uma realidade histórica, que expõe diversos horizontes ideológicos do que vem a ser a lei.
OS HORIZONTES IDEOLÓGICOS DA LEI
O termo ideologia surgiu em 1801 na obra Eléments d’Idéologie (Elementos de Ideologia) de Destutt de Tracy. Essa obra pretendia elaborar uma ciência da gênese das ideias e para tanto foi elaborada a teoria sobre as faculdades responsáveis pela formação das ideias: a vontade, a razão, a percepção e a memória.
Os ideólogos eram atiteológicos, antimetafísicos e antimonárquicos. Ou seja, pertenciam ao movimento liberal e posicionavam-se contra a educação religiosa e metafísica, que permite assegurar o poder político do monarca.
Eles apoiaram o golpe de 18 Brumário, pois julgavam Napoleão um mantenedor dos ideais da Revolução Francesa. Dessa forma, muitos foram nomeados por Napoleão como tribunos ou senadores. Porém, logo acusaram Napoleão de restaurador do L’Ancien Regime e foram excluídos do Tribunado.
O sentido pejorativo do termo “ideologia” ou “ideólogos” foi aplicado em um discurso de Napoleão em 1812: “Todas as desgraças que afligem nossa bela França deve ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições de história”.
A ideia de Napoleão era cunhar um sistema de eternalização da lei mediante codificação. Embora fosse este um sistema necessário à época do inicio de seu governo, a evolução social e, logicamente, das relações sociais emergentes desta nova sociedade necessitavam de um novo horizonte para a lei que, por vezes, não mais atendia à sua finalidade.
O sistema aparentemente infalível começara a apresentar problemas, lacunas que derrubavam a ideia de completude trazida pelo ideário de Bonaparte.
Nessa época, se fortalece a escola da exegese. Os exegetas firmaram uma crença incondicional ao trabalho do legislador, denominado fetichismo da lei. A estrita aplicação do texto legal se mostra suficiente para a solução de todos os problemas encontrados na realidade fática.
É com esse pensamento que se inicia a busca por um novo horizonte ideológico da lei. Assim como os sistemas governamentais haveriam de mudar, tendo em vista as diversas e fortes mudanças sociais ocorridas em meados do Século XIX, a forma cerrada de aplicação da lei, de se pensar a lei já não mais atendia às anseios sociais.
Face à nova realidade, fortes combatentes da antiga escola exegética traçaram outras rotas ideológicas, criando uma metodologia interpretativa diferente do Direito, visando combater a crença incondicional dos códigos e leis produzidos pelo legislador.
Hermann Kantorowicz traz um ideia muito interessante sobre a evolução histórica e a essência do Direito, que se traduz como um horizonte ideológico da lei.
“O Direito irrompe da consciência do povo, se forma e desenvolve como a língua. A história é testemunha do passado e nos abre a via para conhecermos o presente. E assim, no estado primitivo dos povos se veio formando o Direito consuetudinário por uma série de fatos uniformes. Mas o progresso, as atividades dos povos se dividiram: a consciência comum tornou-se menos perceptível e menos clara, e mais difícil a espontaneidade do Direito. Daí que a legislação representativa da comunidade no desenvolvimento do Direito, criou novas instituições necessárias para modificar ou anular aquelas que não mais correspondem ao seu tempo. A legislação é o sinal aparente do Direito: completa e desenvolve, garante o direito consuetudinário.”
François Geny, positivista e crítico do estadismo jurídico proposto pela escola exegética, propõe que por intermédio do conhecimento é que podemos encontrar qual a regra a aplicar na hipótese de lacuna ou insuficiência das fontes formais do Direito. Pois, para a escola exegética tais lacunas não existiriam, já que a autoridade soberana do Estado era suficiente para fixar de uma única vez todos os preceitos satisfatórios para o exercício da vida jurídica.
Dessa modo, Geny compara o papel do jurista ao do legislador, pois em ambos os casos, trata-se de satisfazer a justiça e utilidade social.
Em suas pesquisas, o estudo das relações de vida social, o ordenamento jurídico e a organização política e econômica são denominadas como la nature des choses positifs ou “a natureza das coisas positivas”; e não são suficientes para solucionar os casos concretos.
Geny utiliza “a natureza das coisas positivas” para mostrar a importância da filosofia para o Direito, pois ela fornece uma visão que permite melhor aprender os fenômenos da vida social.
Dessa forma, a finalidade do Direito é entendida como valor almejado e motivo determinante da conduta, ou seja, ela se projeta no mundo jurídico como um ideal de Justiça, como um ideal de utilidade: “o que a opinião comum encara como o bem do maior número”. Ou seja, a Justiça projeta a ideia de segurança compartilhada por todos.
A investigação do Direito se faz por dois lados: um interroga a razão e a consciência a fim de encontrar as bases da Justiça, fornecendo uma direção; o outro, o da “natureza das coisas positivas”, necessita do primeiro lado para fixar determinados princípios.
Assim, o jurista dentro de suas possibilidades deve despir-se de suas ideias pessoais, procurando uma solução objetiva, fundada em elementos objetivos. No entanto, a influência da razão subjetiva do intérprete sempre será um elemento presente em qualquer interpretação.
A ideia do absoluto, imutável, seguro e universal trazido pelos exegetas era para Geny, uma lógica insustentável pelo excesso do elemento racional. A noção do justo vai se desgastando na medida em que nós nos aproximamos da prática, ou seja, em seu último estágio, o legislador ou jurista, invariavelmente utilizar-se-á de seu conhecimento subjetivo, relativo, mutável, inseguro e particular.
Dessa forma, o legislador não aplica diretamente o justo, mas faz uma adaptação dele. Essa adaptação necessariamente gera uma deformação do seu conceito original.
Os “fins superiores” de justiça constituem princípios racionais imutáveis com força absoluta. Deduzindo tais princípios encontramos outros que são menos absolutos, com menor generalidade e com íntima dependência dos fenômenos sociais.
Essa dependência é a matéria da natureza das coisas positivas de Geny, ou seja, o legislador tem em seu alcance uma infinidade de elementos vivos e dinâmicos extraídos da realidade fática.
Fatalmente, essa gama de elementos dinâmicos traciona a interpretação para a razão subjetiva daquele que está interpretando. Geny pretende desenvolver um método que forneça inúmeros elementos objetivos para impedir o arbítrio do interprete, reduzindo consideravelmente o papel da razão subjetiva, sem, no entanto, tirar-lhe à sua adaptação à realidade fática.
O problema de Geny é a manutenção da ideia de segurança trazida pelo código, pela lei positivada.
Neste ponto, para Kantorowicz, encontramos sempre normas que são destinadas a valorar, completar, desenvolver e subverter o Direito-estatal. Normas que não podem ser o Direito estatal, mas um Direito que deve ser livre.
A obra de Kantorowicz critica o positivismo desenvolvido no século XIX, que considerava Direito somente aquele reconhecido pelo Estado.
A orientação dada pelo seu trabalho é que o Direito natural era um direito que pretendia afirmar-se independentemente do poder do Estado, ou seja, livre. Desse modo cunhou esse Direito como Direito-livre. A principal característica é a separação da ciência do Direito natural de sua filosofia, além de considerar o Direito estatal somente como parte do Direito. Demonstra, ainda, que as sentenças (judiciais) não podem ser emanadas exclusivamente das leis, mas também do Direito-livre.
“A verdade é que ninguém conhece todo o Direito na sua extensão interminável, poucos conhecem uma parte e maior parte ninguém conhece”, ou seja, a maior parte das pessoas vive “segundo o Direito-livre, segundo aquilo que a norma daqueles que os circundam ou seus juízos individuais faz parecer Direito, não tanto como arbítrio ou útil”.
Com essa afirmação, Kantorowicz chega a conclusão que o Direito-livre é independente do estatal, mas o Direito estatal não é independente do Direito-livre. Assim sendo, as lacunas do Direito devem ser preenchidas a partir do Direito-livre, pois é o único com a espontaneidade de suas resoluções e com a sensível clareza de seu conteúdo frente às lacunas que são preenchidas na realidade, mesmo que tal situação altere a lei.
“A dogmática ‘legalista’ é necessariamente absolutista, pois pretende trabalhar somente com a lei e com a lógica”, ou seja, no Direito criticado pelo autor, as leis são vazias de valor e impraticáveis, pois é inverídico que o autor da lei tenha imaginado todos os casos aos quais se aplica a lei. Por isso, segundo a ideia de que “quanto mais geral for a lei, mais numerosos são os casos, não sobrará absolutamente nada: nem legislador, nem poder, nem vontade, nem a ‘vontade da lei’, exceto palavras e a escuridão do papel impresso”.
Diferentemente de Geny, Kantorowicz abala a estrutura da segurança trazida pelos seus antecessores, tendo em vista que o Direito-livre é pressuposto para a existência do Direito-estatal.
Ainda assim, é um sistema embasado na segurança, na segurança oriunda do Poder. A mera transposição do Poder de um único ente, ao qual chamamos de Estado, legislador, juiz, Assembléia, dentre outros, não retira a ideia de segurança “necessária” à sobrevivência humana.
Pior, falseia uma realidade, pois ao criar o Direito-livre, que pretensamente é desprovido da soberania estatal e emana das raízes sociais daqueles que “sentem” o Direito, não afasta a ideia de Poder atrelada à ideia de segurança.
A LEI – INSTRUMENTO DE PODER: A PSICOLOGIA DA OBEDIÊNCIA
A lei é uma ordem enérgica trazida frente às multidões que dela embebedam-se constantemente. Mesmo que despida de provas e fundamentos, por ser uma ordem cogente, comunica e obriga com uma grande força de convicção e de sugestão. Esse formato tem se mostrado muito mais eficaz do que uma demonstração rigorosa de seus fundamentos legais.
A submissão daqueles que obedecem à lei sem quaisquer questionamentos, de forma irrefletida, são difundidos em um instinto social muito distante da razão. Esse tipo de submissão é de fácil aceitação, pois se trata de reação daqueles que cedem às forças hereditárias do instinto.
Historicamente, a manutenção do Poder só é possível com a substituição dos instrumentos do Poder, pois a partir do momento que um instrumento passa a orientar a psicologia da obediência, ele inicia seu processo de degeneração, ou seja, a sua evolução tem um fim certo, que fatalmente será o início de um novo instrumento de Poder.
O papel do Direito substituiu o papel das Religiões.
As ideias secularizadas que ainda dominam nossa conduta nasceram de forma mística, de crenças e emoções religiosas. Para os homens primitivos existe uma oposição fundamental que domina o mundo espiritual: o sagrado e o profano.
Nas palavras de Hertz, “Certos objetos e seres, por força de sua natureza ou por meio de representação de rituais, são como que impregnados com uma essência especial que os consagra, os separa e lhes outorga poderes extraordinários”, dessa forma, “os sujeita a uma série de regras e estritas restrições. Coisas e pessoas às quais se nega esta qualidade mística não têm poder, nem dignidade: são comuns e, afora a interdição absoluta de entrar em contato com o que é sagrado, livres.” Assim, “qualquer contato ou confusão de seres e coisas pertencendo a classes opostas seria funesto para ambas. Daí a variedade de proibições e tabus que, por mantê-los separados, protegem ambos os mundos a um só tempo”.
A importância da antítese existente entre sagrado e profano varia de acordo com a posição na esfera religiosa da mente que classifica seres e os avalia; trata-se do dualismoque é o cerne do pensamento primitivo, caracterizando uma organização social primitiva.
Apesar de opostos, existe uma clara dependência existencial entre o sagrado e o profano, pois a existência de um depende diretamente da existência do outro, mesmo sendo oponíveis entre si.
No entanto, a evolução histórica substituiu esse dualismo por uma estrutura hierárquica rígida, ou seja, no lugar das tribos e clãs, surgem as classes ou castas, das quais, invariavelmente, a que está no topo é considerada sagrada, nobre e devotada a trabalhos superiores, enquanto as outras são profanas, sujas e devem ocupar-se com trabalhos vis.
Essa polaridade religiosa gerou o princípio pelo qual se atribui aos homens posição e função permanente frente aos demais, ou seja, a polaridade social é uma consequência e um reflexo da polaridade religiosa.
É importante frisar que a vida em sociedade envolve um grande número de práticas que, sem ser integralmente parte da religião, estão estreitamente ligadas a ela. Especialmente no Brasil, que em certos casos a religião é o único fator que traz votos suficientes para a eleição de determinado candidato.
Dessa forma, seja qual for o fundamento da lei, seja sagrado ou profano, ela acaba escapando aos embates da crítica popular. Mesmo no mundo ocidental, em que o Direito é “puramente” laico, e a religião deixa de ser jurídica, a lei ainda escapa desse foco crítico utilizando-se de outra construção.
A supremacia da lei como instrumento de Poder é ao mesmo tempo um efeito e uma condição necessária da ordem que governa e mantém o ordenamento jurídico contemporâneo.
No Estado Absoluto, o direito trazia em sua bagagem resquícios e projeções do direito divino, que o posicionava em um patamar superior, inatingível pela nação governada. A lei era uma imposição incontestável posta por uma vontade superior. Toda hierarquia social afirma estar baseada na natureza das coisas, atribuindo-se assim eternidade e evitando mudanças e ataques inovadores. Porém, atualmente, mesmo naquelas que ainda existem a figura do monarca, é raro que a lei seja feita pelo rei.
A soberania do monarca foi substituída pela soberania do Estado moderno, que é infinitamente mais eficiente no controle ideológico e na imposição de sua força autoritária, pelo fato do Estado ser impessoal.
Dessa forma, a impessoalidade do Estado foi “uma tentativa de alto valor para salvaguardar teoricamente a autoridade irrefragável das leis”. A soberania nacional passa a existir, estendendo-se sobre a base de atuação da lei, fortalecendo-a enormemente.
No entanto, essa soberania nada mais é do que a consciência de um número infinito de cidadãos, ou seja, “é a soberania da razão individual ou do egoísmo privado”.
É por intermédio desse sentimento individual que o Direito Constitucional semeia e colhe os seus princípios. Conforme Lamartine, “Todo o francês é cidadão , todo cidadão é eleitor, todo eleitor é soberano. Portanto a lei não é mais que uma obrigação tomada pelo eleitor para consigo mesmo, e cujo vínculo frágil ele moralmente tem liberdade de romper, se as suas idéias ou os seus interesses mudam”.
A keystone está na maioria parlamentar que exerce a soberania projetando o sentimento individual da coletividade sobre ela mesma. A essência da obrigação do cumprimento da lei está na maioria parlamentar que é superior à própria nação.
No Estado de Direito ou Estado Constitucional o legislador adquire uma importância que antes não havia, tendo em vista que a maior parte dos regramentos a serem seguidos era religiosa.
Dessa forma, a soberania do legislador acabou culminando em uma psicologia da obediência da sociedade civil, demonstrada por Hertz. Assim como a religião foi o primeiro ponto de distanciamento do divino com a criação das primeiras leis, a lei nada mais é do que a transposição dessa realidade sociológica trazida pelas figuras religiosas, ou seja, a lei exerce o mesmo papel exercido pela religião.
No entanto, com o aprimoramento das formas de dominação, a lei aumentou o distanciamento iniciado pela religião entre a obediência da lei e a sociedade civil, pois antes o padre dominava conscientemente os dominados, a fé não afetava a dominação exercida pela igreja. Já nos dias de hoje, o distanciamento está muito maior, pois o dominador distanciou-se da sua forma de poder, que é a lei. Tanto o dominador como os dominados não têm consciência da lei, ou seja, atualmente a lei é entificada por ambos os lados.
Antes, a polaridade religiosa, que anteriormente existia entre as comunidades tribais e posteriormente nas classes ou castas, podia ser vista com muita clareza. Porém, hoje, a falta de percepção da estrutura de dominação executada – a lei – tanto pelos dominados, como pelos dominadores, transformou um instrumento (a lei) em um ente participante das relações de Poder.
Sinteticamente, o ente criado domina seus criadores.
Esse movimento social eleva a psicologia da obediência a patamares nunca antes alcançados, pois a lei consegue reformar a sociedade, ou seja, ao aplicar a psicologia da obediência em nosso atual quadro social, a sociedade não reforma mais a lei, mas sim, é a lei que reforma a sociedade.
Para a manutenção dessa soberania é necessário que a psicologia da obediência seja aplicada dinamicamente, pois a sobrevivência da autoridade que exerce o poder outorgado pela maioria parlamentar depende de justificações.
Essas justificações justificam sua própria existência. Ou seja, o mesmo motivo que enfraquece a estrutura da obediência da lei, por depender de justificações, fortalece a manutenção de sua estrutura, pois se houver uma descrença na lei, estaremos descrentes de nós mesmos.
Essa regra só é inaplicável no momento em que a maioria parlamentar desejar alterar toda a legalidade, ou nas palavras de Gustave Lanson, “violar a lei a só é um delito; com mil, um motim; com cem mil, uma revolução, e a multidão, se é bastante numerosa, vai haurir na sua própria força um direito superior a toda a legalidade, porque julga trazer em si uma legalidade nova”.
A Inglaterra, manancial de diversos institutos jurídicos, mostra que a lei seria mais forte se fosse transformada em tradição. Porém, isso só seria possível se o surgimento da lei guardasse íntima relação com as necessidades históricas vividas naquele país.
No entanto, essa realidade está muito distanciada de diversas sociedades modernas, que são alimentadas e retro alimentadas de um ideal sistematicamente progressivo, onde a pluralidade e a instabilidade das leis é mais que um fato, é quase um princípio.
A evolução histórica do direito e da própria civilização humana enfraquece a autoridade moral das leis, resultando, em tese, no enfraquecimento da obediência das leis.
No entanto, pela experiência vivida no Brasil, os diversos golpes de Estado mostram a fragilidade dessa tese de enfraquecimento, em curto prazo, pois nos ensina como qualquer um pode apoderar-se da soberania legislativa e governamental; e, com isso, marcar historicamente uma “ruptura”, que traz em sua bagagem uma “nova” proposta.
O IMPÉRIO DA LEI
A psicologia da obediência das leis também se acopla no problema da força normativa de seus preceitos. A doutrina brasileira tem distinguido as noções de vigência e eficácia com um relativo consenso. José Afonso da Silva afirma que a vigência consiste na qualidade da norma que a faz existir juridicamente, após a promulgação e publicação, tornando-a de observância obrigatória. Dessa maneira, a vigência constitui verdadeiro pressuposto da eficácia, na medida que apenas a norma vigente pode vir a ser eficaz.
No entanto, Kelsen mostra a íntima correlação entre as noções de vigência e validade da norma, definindo esta como uma qualidade decorrente do cumprimento regular, conforme o ordenamento jurídico – unitário – de seu processo de formação, de modo a identificar, nesse sentido, a validade com a própria existência da norma.
Não é possível encontrar uma opinião comum em relação aos posicionamentos doutrinários a respeito da vigência, validade e existência da norma. Porém, necessário se faz fixar uma posição uniforme sobre a eficácia.
A noção de existência da norma é identificada com a de sua vigência, sendo que a vigência não se confunde com a validade – conformidade com os requisitos de elaboração legislativa – já que, independente de sua validade, a norma pode ter entrado em vigor, passando a existir e podendo gerar efeitos. Se houver problemas em relação à validade da norma, esta poderá ser resolvida com o controle de constitucionalidade das leis mediante controle difuso ou concentrado e posterior invalidação do ato normativo mediante declaração de inconstitucionalidade formal ou material.
Há que se distinguir a eficácia social e a eficácia jurídica da norma. A eficácia jurídica “designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. Possibilidade, e não efetividade.” Dessa forma, a noção de eficácia social confunde-se com a noção de efetividade da norma.
Sinteticamente, a eficácia social da norma é a sua real obediência e aplicação no plano dos fatos e a eficácia jurídica é a possibilidade de obediência e aplicação no plano dos fatos, ou seja, designa a qualidade de produzir efeitos.
Para Luís Roberto Barroso “a efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social.”
Dentro da mesma corrente doutrinária, não há como dissociar a noção de eficácia jurídica da aplicabilidade das normas jurídicas, pois a primeira consiste na possibilidade de aplicação da norma aos casos concretos, com a consequente geração de seus efeitos jurídicos.
Para José Afonso da Silva, eficácia e aplicabilidade são fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela como potencialidade; esta como praticidade. Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim, como a possibilidade de aplicação. Para que haja esta possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos.
Se não existe qualquer problema no aspecto jurídico e formal da lei no que diz respeito à possibilidade de ser considerada apta a atingir seu objetivo, gerando todos seus efeitos jurídicos, o mesmo não ocorre na realidade fática, ou seja, na esfera política.
A estrutura política brasileira ora dificulta, ora facilita, a aplicação de determinadas leis. Os conchavos políticos, o sistema de representação, o tráfico de influências, dentre outros, transformam, muitas vezes, algumas leis em placebos populares.
Referida metáfora tem como fundamentos o substantivo placebo – do latim placere – agradar; que tem como significado um medicamento inerte ministrado com fins sugestivos ou morais; combinado com o adjetivo popular vem do latim populare, que significa aquilo que é relativo ao povo.
Dessa forma, dentro da realidade fática, algumas leis são inertes, causando efeitos sugestivos e morais da realidade de uma frágil democracia, em que há uma suposta soberania da lei sobre todos os cidadãos sem a preferência de uns sobre outros.
O problema da eficácia social não guarda relação com a aplicabilidade das normas que demonstrem uma aptidão mais ou menos extensa para produzir efeitos, como se vê no problema da eficácia de alguns direitos humanos fundamentais, classificados, por parte da doutrina, como normas programáticas.
O problema da eficácia social guarda íntima relação com requisitos de natureza fática e não de natureza técnico-normativa. A presença de situações fáticas confere a algumas leis sua eficácia social, pois elas encontram na realidade condições jurídicas adequadas para produzirem os efeitos aos quais se destinam.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior traz um exemplo muito elucidativo quanto à eficácia social, em que uma norma prescreve a obrigatoriedade do uso de determinado aparelho para a proteção do trabalhador, mas esse aparelho não existe no mercado nem há previsão para ser produzido em quantidade adequada. Dessa forma, a norma será ineficaz socialmente.
A palavra povo é frequentemente relacionada a objetivos puramente ideológicos – como vontade do povo, interesse do povo e defesa do povo. Por ocasião do ato eleitoral pelo qual os representantes populares são escolhidos, a palavra é usada com o único objetivo de galgar posicionamento político que, muitas vezes, tem uma finalidade duvidosa.
Comumente na linguagem política, em discursos belíssimos e em outros não tão belos assim, a palavra povo entorpece o próprio povo, dá uma falsa impressão de democracia, remete o seu locutor à figura de um salvador, de um solucionador dos problemas do país. Isso ocorre por que todos os indivíduos consideram-se participantes dessa grande massa chamada povo e continuam esperando a figura de um herói; ignorando sua condição histórica.
O partido político, que, originariamente, é o poder institucionalizado das massas, gera inúmeras contradições ao criar, segundo Paulo Bonavides, uma ditadura invisível, “já desvinculada do povo, estende-se por outro lado às casas legislativas, cuja representação, exercendo de fato um mandato imperativo, baqueia de todo dominada ou esmagada pela direção partidária”. Dessa forma, o partido político deixa de expressar a vontade de um grupo para expressar a vontade de uma minoria, que continuará desnaturando a democracia por meio de seus mandatos e cetros de poder.
Paulo Bonavides adverte que “quando a fatalidade oligárquica assim se cumpre, segundo a lei sociológica de Michels, da democracia restam apenas ruínas. Uma contradição irônica terá destruído o imenso edifício das esperanças doutrinárias no governo do povo pelo povo”. E completa que nenhuma ameaça mais sombria do que esta pesa sobre a democracia em suas núpcias com o partido político na idade das massas. Faz lembrar Rousseau e o anátema que ele arremessou sobre a democracia representativa. Faz lembrar igualmente a superioridade da democracia direta no exemplo saudoso e impossível do velho padrão ateniense.
A democracia partidária, de outrora, transferiu o poder para uma oligarquia partidária, mediante certos instrumentos que se fizeram não só necessários, mas extremamente eficazes, que são os meios de comunicação. Estes, muitas vezes, bombardeiam o povo com a deturpação do noticiário político, de modo que as notícias são apresentadas com maior destaque quando interessa criar determinado clima, por meio de instrumentos como: certos slogans governamentais – por exemplo, “Sou brasileiro e não desisto nunca!” –; a exaltação constante do espírito individualista, para que cada um leve a sua vida sem se preocupar com o resto do mundo; de forma derivativa, as novelas, mediante histórias de amor que sempre terminam bem, capazes de influenciar o comportamento psíquico e social de muitas pessoas, que realizam na tela da televisão o seu ideal de felicidade; o esporte – que muitas vezes transforma-se para atender as necessidades de revolta do indivíduo contra sua anulação social.
O problema das lideranças e da imprensa em uma democracia é bem complexo. Já a eficácia de determinadas leis depende de certos requisitos inexistentes de fato, o que não afeta a validade da norma, mas a produção efetiva de seus efeitos.
Reitere-se o que disse Tercio Sampaio Ferraz Júnior, para quem a eficácia não se confunde com a observância da norma jurídica, pois o reconhecimento da eficácia social não é reduzido à obediência da norma jurídica. “Existem exemplos de normas que nunca chegam a ser obedecidas e, não obstante isso, podem ser consideradas socialmente eficazes”.
A eficácia social referida trata de normas que são socialmente reclamadas pelo povo, de forma ideológica; assim, sua efetiva aplicação é afastada, embora essas normas tenham força para gerar efeitos, o que ocorre quando existe uma condução ideológica para a sua efetiva aplicação.
Diante de certos quadros políticos e de certas calamidades, sejam quais forem, o povo reclama e reza por um salvador. No entanto, todos se esquecem de que a solução apresentada no domínio de um salvador de hoje, dialeticamente, pode ser uma das calamidades de que, amanhã, o povo reclamará e rezará para se libertar. Para essa nova libertação, o povo reclamará por um novo salvador, que, inevitavelmente, repetirá o mesmo processo histórico anterior. Tal processo é inevitável, pois gera a continuidade, que é essencial à propulsão da história da humanidade. Os problemas existentes, cedo ou tarde, serão resolvidos com soluções que, por sua vez, transformar-se-ão em novos problemas.
CONCLUSÃO: (IR)REVERSIBILIDADE?
No estágio atual em que se encontram as relações humanas, a lei é um instrumento de Poder e sua utilização como tal, é irreversível. A lei é um produto humano, ou seja, é o resultado concreto da volição humana. Historicamente a política de sobrevivência do ser humano está atrelada à ideia de segurança, e a lei gera concretamente o sentimento pretendido.
Na passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea as Revoluções Liberais Burguesas formam o divisor de águas no estudo da história do Direito. Anteriormente a lei era a expressão da vontade do divino, o que levava o ser humano a condição de mero espectador de sua própria vida. As ideias revolucionárias burguesas substituíram a ideia do divino, aproximando aparentemente a lei dos homens – o Poder emana do povo.
Dessa forma, essa aparente aproximação, da lei em relação aos homens, com o objetivo de garantir os valores da liberdade individual transformou-se em um instrumento de manutenção e constante ampliação do Poder e da dominação.
Essa aparente aproximação gerou uma enorme segurança, no entanto ao invés de aproximar, afastou mais ainda o ser humano do controle de sua própria vida. Se antes havia a representação do divino, no qual o pináculo da relação, no mundo ocidental era Deus, a partir das Revoluções Liberais Burguesas o Poder passa, ideologicamente, a emanar do próprio povo, do próprio ser humano.
Sendo assim, o homem sente-se mais seguro e protegido, no entanto, além de desprotegido está entorpecido pela ideologia criada para cristalizar o sentimento de segurança. Dessa forma, a lei é um produto histórico e político. A política de sobrevivência está atrelada à ideia de segurança, pois a segurança é o objetivo do ser humano para que este sobreviva às relações por ele travadas.
Para atingir o fim da segurança, o homem utilizou-se de diversas ideias com o mesmo objetivo final: a sobrevivência do ser humano garantida pela segurança gerada pelo pensamento da época das diversas ideias trazidas com esse fim.
No entanto, enquanto existir a ideia de segurança atrelada à sobrevivência do ser humano, necessariamente, haverá dominação, que só será possível mediante o exercício do Poder.
Metaforicamente, a ideia de segurança atrelada à sobrevivência pode ser comparada a um cavaleiro medieval e sua armadura. O cavaleiro medieval está seguro de sua batalha contra os duros golpes de seu adversário pois seu corpo será protegido por uma dura e pesada armadura de metal. No momento da batalha, a armadura mostra-se útil e essencial ao cavaleiro. No entanto, ao atravessar o rio, vestindo a sua armadura, ele caí da ponte. A armadura, que outrora mostrou-se vital para sua proteção, agora é o seu túmulo, o seu fim.
O mesmo ocorre com a ideia de segurança e a sobrevivência do ser humano. Em alguns momentos históricos essa dicotomia protegeu o ser humano mantendo a sua sobrevivência, o que fatalmente, transformou-se em dominação pelo exercício do Poder.
O Poder, fundamentado pela segurança, é o único meio aparentemente seguro para sobreviver. Desse modo, os instrumentos de Poder, como a lei, vão se tornando cada vez mais “necessários” para a efetiva sobrevivência humana, mantendo-se a mesma dominação, variando apenas os instrumentos utilizados para o exercício do Poder.
“Atualmente, vê-se todos os dias a Lei reformar a sociedade;
não é mais a sociedade que reforma a Lei.”
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